O hobby virou profissão: Maria Luiza Giugni treina a modalidade volteio no Clube Hípico de Santo Amaro
por Fernando Moraes
Todos os fins de semana, cerca de 2 000 paulistanos trocam seu reino por um cavalo. Eles pegam a estrada rumo a um dos 470 centros equestres do estado, boa parte deles localizada em um raio de 100 quilômetros da capital, em cidades como Cotia e Aldeia da Serra, para disputar algum campeonato de hipismo. Esse grupo, formado em sua maioria por amadores, pouco tem a ver com os primeiros praticantes do esporte. Criada na Europa no século XVI como prática de guerra, a equitação ganhou adeptos entre a nobreza e a aristocracia, sobretudo a inglesa, em atividades como a caça à raposa. A primeira competição olímpica de hipismo ocorreu nos Jogos de Paris, em 1900. De lá para cá, muita coisa mudou.
Os principais centros hípicos do país, que funcionavam como clubes fechados, abriram as portas de suas cocheiras para não sócios. É o caso da Sociedade Hípica Paulista, no Brooklin Novo, cujo centenário de inauguração será celebrado em 2011. Não é preciso desembolsar 90 000 reais pelo título, como fez o casal Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, e sua mulher, a bilionária Athina Onassis, para usufruir a estrutura do local. Pelo menos parte dela.
Em 2008, a estudante Maria Luiza Sue Ogata, de 10 anos, iniciou aulas de salto por lá. “Enquanto suas colegas de escola fazem balé, minha filha pratica equitação”, conta a mãe, Claudia. “Eu disputo provas em alguns fins de semana”, diz a menina, que encara obstáculos de até 40 centímetros de altura. Como no hipismo homens e mulheres competem em pé de igualdade e não há distinção de idade, Maria Luiza tem a consultora de importação e exportação Danyella Gonçalves, de 31 anos, há três meses matriculada no curso, como colega de picadeiro. Nesse tempo, Daniella atesta ter sentido mudanças no corpo. “Minha barriga secou e os músculos das pernas enrijeceram”, afirma, empolgada. “Parece mais eficaz que a academia.” Por trabalhar na região da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, ela tem o lugar como um refúgio na hora do almoço. “Venho ler livros aqui.”
Outro oásis equestre na cidade é o Parque da Água Branca. O local atrai 150 aprendizes no curso dado pela escola Altamira Vivências. Esse número é 20% maior do que há dois anos. “Muitas pessoas chegam sem nunca ter visto um cavalo ao vivo”, afirma a proprietária, Cristina Cintra do Prado. “Mas em pouco tempo se familiarizam com o animal e ganham disciplina e concentração.” Estima-se que sejam necessários de dois a seis meses de aula para dominar as rédeas da equitação. Ou seja, trotar, galopar e conduzir com segurança.
Ao longo desse processo, é preciso adquirir capacete, culote e bota. Há dois meses frequentador das aulas do parque, André Fidelis, de 12 anos, já possui a indumentária completa. “Aprendi rápido a montar”, diz o garoto, que salta ao lado de sua irmã Rachel, de 9 anos. A dupla de ginetes mirins pediu um cavalo de presente de Natal. “Vou pagar entre 800 e 2 000 reais”, afirma o pai, o professor de história Alexandre Fidelis. “Parte será descontada da mesada deles.”
Mario Rodrigues
Pronto para saltar: Rodrigo Sarmento, no torneio Grand National, em Indaiatuba, que distribuiu 360 000 reais em prêmios
O hobby, no entanto, pode virar coisa séria. Sem ser sócia de nenhuma hípica, Maria Luiza Giugni, de 17 anos, pratica desde os 7 o volteio, modalidade que parece uma ginástica olímpica sobre o lombo de um cavalo. Hoje, treina pela escola do Clube Hípico de Santo Amaro — o título de sociedade da entidade sai por 50 000 reais. “Esse esporte é minha grande paixão”, conta ela, filha do dentista e atual presidente da Confederação Brasileira de Hipismo, Luiz Roberto Giugni.
A estudante do último ano do ensino médio do Colégio Santa Cruz treina diariamente, exceto às quintas. “Preciso sincronizar meus movimentos com o cavalo à música da apresentação. Isso requer muita prática.” O esforço lhe rende resultados: a jovem integra a equipe brasileira de hipismo. “Representei o país nos últimos Jogos Equestres Mundiais, ocorridos em outubro em Kentucky, nos Estados Unidos.”
Entre instrutores e técnicos, há o consenso de que os amadores são os responsáveis pela pujança do esporte. Veterinária paulistana especializada em equinos, Priscila Azevedo e sua equipe tratam cerca de 2 000 bichos por mês. “Nunca vi esse mercado tão aquecido.” Priscila diz que sua clientela aumentou 30% nos últimos quatro anos. “Há cada vez mais torneios de olho na nova turma de cavaleiros.”
Entre eles está o Grand National, realizado no último fim de semana de outubro e no primeiro de novembro no Helvetia Riding Center, em Indaiatuba. Com 1 milhão de reais investidos em estrutura, foi a maior competição do circuito nacional. Reuniu 410 cavalos na disputa de 21 categorias na modalidade de salto. Foram distribuídos 360 000 reais em prêmios. As grandes estrelas do evento ficaram em cocheiras de 9 metros quadrados feitas de material sem pontas. Todos os animais chegaram em caminhões especialmente desenvolvidos para transportá-los. Alguns são equipados com ar-condicionado e sistema de som, para combater o stress da viagem.
Em eventos de grande porte, os cavalos são tratados a pão de ló. Os animais de competição custam entre 116 000 e 700 000 reais. Em geral, têm nacionalidade alemã, belga ou holandesa. Chegam ao país de avião. Com manutenção estimada em 4 000 reais por mês, eles pesam de 550 a 650 quilos, consomem entre 4 e 6 quilos de ração e até 10 quilos de feno por dia, além de tomar 50 litros de água diariamente. Esse valor pode ser maior se massagem e acupuntura fizerem parte de sua rotina.
Isso não quer dizer que apenas os (muito) ricos montam nos supercavalos. Patrocinado pelo haras Império Egípcio, em Cotia, o treinador Cesar Almeida foi quem venceu a principal prova do Grand National. Por não fazer nenhuma falta nas três pistas do Grande Prêmio, embolsou 36 000 reais. “Esse cavalo, o Misteur, veio de Portugal há apenas trinta dias”, conta. “Ganhei mesmo sem termos treinado muito tempo juntos.”
Fernando Moraes
A estudante Fiammetta Varoli e seu cavalo de 370 000 reais: treino individual em picadeiro de 4 200 metros quadrados na Paulista
Considerada o baluarte do esporte brasileiro, a família Carvalho conquistou prêmios, prestígio e dinheiro nesse ramo. Presente no Pan-Americano de Caracas, em 1983, e na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, o patriarca Caio é um dos instrutores mais conhecidos do país. Sua mulher, Patrícia, organiza boa parte dos eventos nacionais. Seu filho mais velho, José Luiz, e o sobrinho José Roberto treinam cavalos e atletas. Cobram por volta de 1 200 reais por mês e muitas vezes são incumbidos de viajar para a Europa com a missão de comprar animais para os alunos.
Foram os Carvalho que conceberam o centro equestre do Condomínio Haras Larissa, propriedade de Álvaro Coelho da Fonseca, em Monte Mor. “Sem sombra de dúvida, esse tipo de empreendimento atrai compradores”, afirma o empresário. “Temos 104 cocheiras, maternidades para cavalos, entre outras opções para agradar aos amantes do hipismo.”
Mario Rodrigues
Francine Otte Lima: aulas de equoterapia duas vezes por semana
Tratamento que utiliza o cavalo como recurso terapêutico, a equoterapia auxilia na locomoção e na socialização de atletas com problemas físicos ou mentais
Duas vezes por semana, a vaidosa Francine Otte Lima, de 15 anos, faz aulas de salto em vara no chão. Com colete de proteção e capacete, ela prende o cabelo com um elástico de algodão lilás, mesma cor da armação de seus óculos do esmalte que enfeita suas unhas. Esse é o ritual realizado antes de montar na égua Índia, de 19 anos. “Esse animal é danado”, diz a amazona, enquanto alisa a crina de sua parceira. “Anda veloz demais.”
Portadora de síndrome de Down, a adolescente integra o grupo de 110 alunos, a partir de 2 anos de idade, das aulas de equoterapia ministradas pela escola Freedom Ride na Sociedade Hípica Paulista (SHP). Trata-se de uma modalidade de fisioterapia realizada com cavalos cujo objetivo é melhorar a coordenação motora de pessoas com necessidades especiais.
Ao contrário da maioria, que chega até lá sob orientação médica, Francine começou a montar por vontade própria há seis anos. Só tem a comemorar. “Além de adquirir tônus muscular, minha filha ficou mais segura”, conta mãe, Angela. “Ela foi campeã em uma prova de plano com vinte pessoas na disputa.” Detalhe: era a única atleta do grupo de equoterapia. A escola recebe alunos pelos mais variados motivos. "Há cadeirantes, autistas, mudos e vítimas de acidente vascular cerebral”, enumera a psicopedagoga Eveline Rezende Cappelle.
As aulas são particulares, em alguns casos com auxílio de três instrutores simultaneamente. Na SHP, o valor da mensalidade é de 584 reais, com encontros semanais de cinquenta minutos cada um. O Clube Hípico de Santo Amaro ( 375 reais), em Santo Amaro, e o Recanto Guarapiranga (300 reais), no Jardim Cruzeiro, também formam cavaleiros e amazonas muito especiais.
GLOSSÁRIO DOS GINETES
PUJANÇA SOBRE QUATRO PATAS
7,3 bilhões de reais é o valor movimentado no mercado equestre brasileiro. São Paulo responde por 63% desse total (4,6 bilhões de reais). O montante contabiliza desde a venda de uma ferradura até cavalos arrematados em leilões
5,8 milhões é o número de cavalos no Brasil, sendo 1 milhão deles animais de competição
3,2 milhões de empregos diretos e indiretos são criados pelo setor no país
116 000 a 700 000 reais, em média, é quanto custa um cavalo de competição, importado de países como Alemanha, Bélgica e Holanda
2 000 pessoas participam de competições de hipismo todos os fins de semana em um raio de 100 quilômetros da capital
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