De olho em cargos públicos, altos salários e controle sobre orçamentos bilionários, centrais agitam e ameaçam o governo
QUARTA-FEIRA 9
Manifestação de metalúrgicos paulistas marca o
início da onda de ameaças que centrais promovem contra o governo Dilma
Na quarta-feira 16, uma trupe de sindicalistas de todos os matizes desembarcará em Brasília para pressionar deputados e senadores a votar contra o projeto do governo que reajusta o salário mínimo para R$ 545. Na contabilidade das centrais sindicais, o governo pode oferecer mais e, por isso, elas querem empurrar o Congresso Nacional a decidir por um piso salarial de pelo menos R$ 560. O que está por trás dessa estridente movimentação, no entanto, não é apenas uma diferença de R$ 15. A demonstração de força da blitz sindical esconde, na verdade, outra intenção: a defesa de benesses conseguidas no governo passado. Hoje, representantes das diferentes centrais sindicais brasileiras ocupam mais de 1,3 mil cargos na administração federal e têm sob seu poder um orçamento anual superior a R$ 200 bilhões. E eles temem que a presidente Dilma Rousseff, sem o mesmo vínculo histórico de Lula com o sindicalismo, mexa neste império. A decisão do governo de não ampliar as negociações em torno do salário mínimo atiçou ainda mais as suspeitas.
Os sindicatos conquistaram um poder inédito durante o governo Lula. No primeiro mandato, quando esteve acuado pela crise do Mensalão, chegando a correr o risco de sofrer um processo de impeachment, o ex-presidente buscou o apoio das centrais sindicais. Em caso de acirramento do desgaste político no Congresso, as centrais garantiram que colocariam à disposição do presidente os 58 milhões de trabalhadores ligados aos mais de seis mil sindicatos associados às centrais. Ao ser reeleito, em 2006, Lula retribuiu o apoio, entregando cargos-chave da administração federal para integrantes dos sindicatos. Ficaram sob poder das centrais os bilionários fundos de pensão do Banco do Brasil, a Previ, que administra um patrimônio de cerca de R$ 150 bilhões, e a Petros, o fundo de pensão da Petrobras, com um patrimônio na casa dos R$ 40 bilhões. Sindicalistas ainda ocuparam postos-chave em estatais, como a própria petroleira brasileira, Furnas e até no conselho de administração do BNDES. Apenas em salários e benefícios, os sindicalistas empregados no governo federal recebem algo próximo a R$ 60 milhões.
Não foi à toa, portanto, que as centrais sindicais viram com temor a determinação de Dilma de acabar com os feudos no setor elétrico e mostrar, claramente, que pretende montar um governo com perfil mais técnico. “É óbvio que não há garantia de que esses cargos serão mantidos nas mãos das centrais, todo o segundo escalão está sendo discutido e a própria Dilma está cuidando da nomeação dos postos que ela considera chave”, afirma um deputado petista com bom trânsito no Planalto. “A presidente já mostrou que quer eficiência e não vai se contentar com nomes que não tenham relação técnica com as áreas”, afirma um parlamentar paulista, também próximo ao chamado núcleo duro do governo.
“Nunca saímos de mãos vazias de uma negociaçãocom o governo Lula” Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical
Percebendo riscos ao reinado conquistado nos últimos quatro anos, as centrais decidiram reagir. Optaram por quebrar o acordo firmado com Lula em 2007, pelo qual o mínimo seria reajustado pela inflação e o crescimento do PIB dos dois anos anteriores, e partiram para o confronto aberto com o governo. A luta renhida pelo aumento de apenas R$ 15 – o que representa um impacto de 2,7 bilhões aos cofres públicos – é uma demarcação de terreno nesse momento de composição do segundo escalão. Por mais paradoxal que possa parecer, o grande alvo de embate para os sindicatos hoje não são mais os patrões, mas sim um governo que tem o sindicalismo em sua base e hoje sustenta as centrais com o imposto sindical.
Um estudo da professora de ciência política da Faculdade de Sociologia da PUC do Rio de Janeiro, Maria Celina D’Almeida, ajuda a entender o porquê da mudança de rota nos embates sindicais. Em seu livro “A Elite Dirigente do Governo Lula”, Maria Celina mostra que nunca na história deste país os sindicalistas ocuparam tantos cargos estratégicos em ministérios, bancos, estatais, fundos de pensão e autarquias federais. Apenas nos conselhos fiscais dos três maiores fundos de pensão do País – a Previ, a Petros e a Funcef –, 67% dos postos são ocupados por sindicalistas. No governo FHC, essa proporção era de 41%. Nos cargos de confiança, aqueles em que o funcionário é indicado, sem necessidade de fazer concurso público, os sindicalistas também estão amplamente representados. Nos cerca de 2,5 mil postos de alta remuneração, as chamadas DAS 5 e 6, em que o salário pode chegar a R$ 11 mil, existentes no governo federal, mais de mil deles são ocupados por sindicalistas. “O fato de trazer trabalhadores para o âmbito do governo pode significar benefícios para os dirigentes, mas não necessariamente para a sociedade brasileira”, diz Maria Celina.
Na quarta-feira 16, essa guerra de interesses, que tem o aumento do mínimo apenas como um irrelevante cenário de batalha, chegará ao seu ápice. As centrais prometem levar milhares de trabalhadores a Brasília e, até lá, vão pressionar ao máximo para conseguirem, se não barrar o projeto do governo, ao menos dificultar, e muito, sua aprovação no Congresso. “Nunca saímos de mãos vazias de uma negociação com o governo Lula”, lembra o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical, segunda maior central do País, atrás da CUT. Paulinho tem sido o líder desse movimento contra o governo, mas conta com o apoio até da CUT, que sempre viveu uma relação quase simbiótica com o PT. “Na crise, o governo criou desonerações para socorrer os empresários, por que não pode abrir uma exceção nesse momento para os trabalhadores?”, questiona Artur Henrique, presidente da CUT, mostrando que o discurso está alinhado com o de Paulinho.
São as duas maiores centrais sindicais que detêm a maior parte dos 1,3 mil cargos ocupados por sindicalistas no governo hoje. Mesmo assim, conseguiram o apoio maciço de todas as outras centrais, que, por uma razão ou por outra, entraram na onda para um aumento do salário mínimo superior. Cabe a elas os ataques mais duros à presidente. “A presidente Dilma não tem traquejo para lidar com sindicalistas. Mas terá que negociar. Não queremos fechar as portas, mas temos condições de bagunçar o coreto”, diz Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores). Na mesma linha vai Wagner Gomes, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), braço sindical do PCdoB. “Se a Dilma continuar ignorando o movimento, as coisas vão azedar.”
O governo está confiante de que vencerá essa queda de braço no Congresso, mas sabe que, se não tomar cuidado, as coisas podem, sim, azedar. Em um movimento praticamente impensável há alguns anos, as centrais sindicais buscaram o apoio da oposição para desafiar o governo no Parlamento. Paulinho iniciou articulações com o PSDB, o DEM e o PPS para vencer o governo na próxima quarta-feira. Além dos oposicionistas, que encontraram nas discussões do mínimo a primeira oportunidade de enfrentar um governo absolutamente majoritário no Congresso, as centrais contam com uma bancada de 61 deputados e seis senadores. “Eles têm o direito de mobilizar quem eles quiserem. Mas estão completamente errados. Não aceitaremos chantagem sindical”, alerta o deputado petista Cândido Vaccarezza (SP), líder do governo na Câmara dos Deputados, dando o tom do contra-ataque que o governo prepara.
A votação do mínimo é só o primeiro capítulo de uma guerra que promete ser longa. Em março, o governo quer rever o repasse dos quase R$ 100 milhões do imposto sindical para o caixa das instituições. O governo decidiu que as centrais sindicais que representem menos de 7% dos trabalhadores brasileiros não terão mais direito a receber o imposto. Das seis centrais existentes hoje no Brasil, duas se enquadram nessa situação: a Nova Central Sindical dos Trabalhadores e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil. Juntas, elas recebem mais de R$ 10 milhões do Ministério do Trabalho. Como se vê, há muito mais na mesa de negociação do que o aumento do salário mínimo.
Manifestação de metalúrgicos paulistas marca o
início da onda de ameaças que centrais promovem contra o governo Dilma
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